Desordem e Ordem, Kháos e Kósmos, Não-Ser e Ser: estas são algumas das velhas dicotomias que vêm ocupando o pensamento...
quarta-feira, 9 de maio de 2012
Conexão
“Por mais que eu me apegasse a uma ‘boceta’, eu sempre ficava mais interessado na pessoa que a possuía. Uma boceta não vive uma existência separada. Nada vive. Tudo está interrelacionado. Talvez uma boceta, por mais cheirosa, seja um dos símbolos primais para a conexão entre todas as coisas. Entrar na vida por meio da vagina é um caminho tão bom como qualquer outro. Se você entrar bem fundo e permanecer o tempo suficiente, vai encontrar o que procura. Mas você precisa entrar com coração e alma – e deixar seus pertences do lado de fora. (Por pertences eu me refiro a medos, preconceitos, superstições.)”“Por mais que eu me apegasse a uma ‘boceta’, eu sempre ficava mais interessado na pessoa que a possuía. Uma boceta não vive uma existência separada. Nada vive. Tudo está interrelacionado. Talvez uma boceta, por mais cheirosa, seja um dos símbolos primais para a conexão entre todas as coisas. Entrar na vida por meio da vagina é um caminho tão bom como qualquer outro. Se você entrar bem fundo e permanecer o tempo suficiente, vai encontrar o que procura. Mas você precisa entrar com coração e alma – e deixar seus pertences do lado de fora. (Por pertences eu me refiro a medos, preconceitos, superstições.)” Henry Miller
terça-feira, 8 de maio de 2012
Da mulher velha e da nova
“Por que deslizas tão furtivamente durante o crepúsculo, Zaratustra? E que ocultas com tanta precaução debaixo da tua capa?
É algum tesouro que te deram? É um menino que te nasceu? Seguirás tu também agora o caminho dos ladrões amigo do mal?”
“— Claro, meu irmão! — respondeu Zaratustra. — Levo aqui um tesouro: uma pequena verdade.
É, porém, rebelde como uma criança, e se lhe não tapasse a boca gritaria desaforadamente.
Seguia eu hoje solitário o meu caminho, à hora em que o sol se escondia, quando encontrei uma velha que falou assim à minha alma:
“Zaratustra tem falado muito até mesmo conosco, mulheres, mas nunca nos falou da mulher”.
Eu respondi: “Não é preciso falar da mulher senão aos homens”.
“Fala-me a mim também da mulher — disse ela. — Sou bastante velha para esquecer logo tudo quanto me digas”. Cedi ao desejo da velha, e disse-lhe assim: “Na mulher tudo é um enigma e tudo tem uma só solução: a prenhez.
O homem é para a mulher um meio; o fim é sempre o filho. Que é, porém, a mulher para o homem?
O verdadeiro homem quer duas coisas: o perigo e o divertimento. Por isso quer a mulher, que é o brinquedo mais perigoso.
O homem deve ser educado para a guerra e a mulher para prazer do guerreiro. Tudo o mais é loucura.
O guerreiro não gosta de frutos doces demais. Por isso a mulher lhe agrada: a mulher mais doce tem sempre o seu quê de amargo.
A mulher compreende melhor do que o homem as crianças: mas o homem é mais infantil que a mulher.
Em todo o verdadeiro homem se oculta uma criança: uma criança que quer brincar. Eia, mulheres! descobri no homem a criança!
Seja a mulher um brinquedo puro e fino como o diamante, abrilhantado pelas virtudes de um mundo que ainda não existe.
Cintile no vosso amor o fulgor de uma estrela! A vossa esperança que diga: “Nasça de mim, do Super-homem!”
Haja valentia no vosso amor! Com o vosso amor deveis afrontar o que vos inspire medo.
Cifre-se a vossa honra no vosso amor! Geralmente a mulher pouco entende de honra. Seja, porém, honra vossa amar sempre mais do que fordes amadas e, nunca serdes a segunda.
Tema o homem a mulher, quando a mulher odeia: porque, no fundo, o homem é simplesmente mau; mas a mulher é perversa.
A que odeia mais a mulher? O ferro falava assim ao imã: “Odeio-te mais do que tudo porque atrais sem ser forte bastante para sujeitar”.
A felicidade do homem é: eu quero; a felicidade da mulher é: ele quer.
“Vamos! Já nada falta no mundo!” — assim pensa a mulher quando obedece de todo o coração.
E é preciso que a mulher obedeça e que encontre uma profundidade para a sua superfície. A alma da mulher é superfície: móvel e tumultuosa película de águas superficiais.
A alma do homem, porém, é profunda, a sua corrente brame em grutas subterrâneas; a mulher pressente a sua força mas não a compreende”.
Então a velha respondeu-lhe: “Zaratustra disse muitas coisas bonitas, mormente para as que são novas.
Coisa singular! Zaratustra conhece pouco as mulheres, e, contudo, tem razão no que diz delas! Será porque nada é impossível na mulher?
E agora, como recompensa, aceita uma pequena verdade. Sou suficientemente velha para te dizer.
Sufoca-a, tapa-lhe a boca, porque do contrário grita alto demais”.
“Venha a tua verdade, mulher!” — disse eu, e a velha falou assim:
“Acompanhas com as mulheres? Olha, não te esqueça o látego”.
Assim falava Zaratustra.
Do caminho do criador
Queres, meu irmão, partir para o isolamento? Queres procurar o caminho que a ti próprio conduz? Hesite um momento ainda e escuta.
"Quem procura facilmente se perde. Todo o isolamento é um pecado". Assim fala a multidão, o rebanho; e tu pertenceste ao rebanho por muito tempo.
Por muito tempo ainda falará, no fundo de ti próprio, a voz do rebanho. E quando disseres: "A minha conciência já nada tem de comum com a vossa", tal será para ti queixume e dor.
Pois é ainda essa consciência comum que produziu tal dor; e o último clarão dessa consiciência lança ainda um reflexo sobre a tristeza.
Mas tu queres seguir esse caminho da tristeza, o caminho que conduz a ti próprio? Então mostra-me se para tal possuis o direito e a força.
És força nova e direito novo? Primeiro motor? Roda que gira por si própria? Podes obrigar as próprias estrelas a gravitar ao teu redor?
Ai de mim! vêem-se tantas cobiças estendidas para os cumes! Tantas contorções ambiciosas! Mostra-me que não és um disfrutador nem um ambicioso.
Ai de mim! há tantos pensamentos elevados que apenas agem à maneira de um fole: ao dilatarem-se aumentam o vazio.
Dizes-te livre? O que pretendo conhecer é o teu pensamento soberano; não me interessa saber qual o jugo que sacudiste de ti.
És daqueles que têm o direito a subtraírem-se ao jugo? Muitos perderam a última parcela do seu valor no dia em que se libertaram da servidão.
Livre de quê? Pouco importa a Zaratustra. Mas que o teu olhor me diga claramente para que fim és livre.
Saberás prescrever a ti próprio o teu bem e o teu mal, e suspender acima da tua cabeça o teu amor erigido em lei? Saberás ser o seu próprio juiz e o vingador da tua própria lei?
Terrível é um tal diálogo, frente a frente com o juiz e o vingador da nossa própria lei! Assim um astro se vê precipitado no espaço vazio e no hálito glacial da solidão.
Ainda hoje sofres da multidão, ó solitário; ainda hoje dispões da tua coragem inteira, e das tuas esperanças.
Mas venha o dia em que te cansarás da tua solidão, em que o teu orgulho vergará, em que a tua coragem rangerá os dentes. Então hás-de gritar: "Estou só!"
Um dia a tua grandeza escapará ao teu olhar e a tua baixeza apertar-te-á o pescoço, o teu pensamento mais sublime te apavorará, como um fantasma. Um dia gritarás: "Tudo é falso!"
Há sentimentos que procuram matar o solitário; se falham, então que ele os mate! Mas haverá em ti o estofo de um assassino?
Meu irmão, conheces já esta palavra: desprezo? E esse cúmulo da tua justiça... ser justo par com aqueles que te desprezam?
Obrigaste muita gente a mudar de opinião a teu respeito; querem-te terrivelmente mal por isso. Aproximaste-te deles, mas seguiste o teu caminho; nunca to perdoarão.
Passas além deles; mas quanto mais te elevas, mais pequeno te tornas aos olhos dos invejosos. Aqueles a quem mais se odeia, é o que possui asas.
"Como poderíeis ser justos para comigo? deverias tu dizer-lhes. Escolhi para meu quinhão a vossa injustiça".
Eles lançam sobre o solitário a injustiça e a imundície; mas, meu irmão, se quiseres ser uma estrela, não é por isso que os iluminarás menos.
Livra-te dos bons e dos justos. Gostam de pôr na cruz aqueles que são os inventores da sua própria virtude - odeiam o solitário.
Livra-te da santa simplicidade. Tudo o que não é simples lhe parece sacrílego; também ela gosta de brincar com o fogo - o fogo dos autos-de-fé.
E livra-te também dos teus acessos de ternura pelos homens. É comum no solitário ser demasiado rápido a estender a mão à primeira pessoa que lhe aparece.
Há muita gente a quem não deverás estender a mão, mas a pata; e esforça-te por que a tua pata tenha garras!
Mas serás sempre, para ti próprio, o teu pior inimigo; por todo o lado de emboscada, és tu que a ti próprio te espreitas no fundo das cavernas e das florestas.
Solitário, tu segues o caminho que a ti próprio conduz. E nesse caminho encontrar-te-ás a ti próprio, e aos teus sete demônios.
Sentir-te-ás herético e feiticeiro e adivinho e louco e céptico e sacrílego e malfeitor aos teus próprios olhos.
Ser-te-á necessário consumires-te na tua própria chama; como poderias nascer de novo, se te não houvesses consumido primeiramente?
Solitário, tu segues o caminho dos criadores. Dos teus sete demônios tentas fazer nascer um Deus.
Solitário, tu segues o caminho dos apaixonados; é a ti que amas e por isso te desprezas como só os apaixonados sabem desprezar.
É por desprezo que o apaixonado quer criar. Conhecerá o amor aquele que se não sentiu obrigado a desprezar o que amava?
Retira-te para a tua solidão, ó meu irmão, com o teu amor e a tua vontade criadora; só mais tarde te seguirá a justiça, com o seu pé coxo.
Retira-te para a tua solidão, meu irmão, as minhas lágrimas te seguem. Amo o homem que quer criar o que o ultrapassa, e disso perece.
Assim falava Zaratustra
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