domingo, 14 de agosto de 2022

sonhos

"Nada lhe pertence mais que seus sonhos.“ —  Friedrich Nietzsche


-----------------------------


"Eles podem tirar tudo de você; seus bens, seus melhores anos, todos os seus méritos e alegrias, até sua última camisa: mas você sempre terá sonhos para reinventar o mundo que foi confiscado de você"

O ataque - Yasmina Khadra 



-------------------------



„O futuro pertence àqueles que acreditam na beleza de seus sonhos.“ —  Eleanor Roosevelt 1884 - 1962

segunda-feira, 2 de março de 2020

Osho e q solidao

Primeiro fique sozinho.
Primeiro comece a se divertir sozinho.
Primeiro amar a si mesmo.
Primeiro ser tão autenticamente feliz, que se ninguém vem, não importa; você está cheio, transbordando.
Se ninguém bate à sua porta, está tudo bem -
Você não está em falta.
Você não está esperando por alguém para vir e bater à porta.
Você está em casa.
Se alguém vier, bom, belo.
Se ninguém vier, também é bom e belo
Em seguida, você pode passar para um relacionamento.
Agora você se move como um mestre, não como um mendigo.
Agora você se move como um imperador, não como um mendigo.
E a pessoa que viveu em sua solidão será sempre atraída para outra pessoa que também está vivendo sua solidão lindamente, porque o mesmo atrai o mesmo.
Quando dois mestres se encontram - mestres do seu ser, de sua solidão -felicidade não é apenas acrescentada: é multiplicada.
Torna-se um tremendo fenômeno de celebração.
E eles não exploram um ao outro, eles compartilham.
Eles não utilizam o outro.
Em vez disso, pelo contrário,
ambos tornam-se UM e
desfrutam da existência que os
rodeia.
_
Osho

sábado, 6 de outubro de 2018

A vida uma estalagem - PessoaF

"Considero a vida uma estalagem
onde tenho que me demorar
até que chegue a diligência do abismo.
Não sei onde me levará, porque não sei nada.

Poderia considerar esta estalagem uma prisão,
porque estou compelido a aguardar nela;
poderia considerá-la um lugar de sociáveis,
porque aqui me encontro com outros.

Não sou, porém, nem impaciente nem comum.
Deixo ao que são os que se fecham no quarto,
deitados moles na cama onde esperam sem sono;
deixo ao que fazem os que conversam nas salas,
de onde as músicas e as vozes chegam cômodas até
mim.

Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos
nas cores e nos sons da paisagem,
e canto lento, para mim só,
vagos cantos que componho enquanto espero.

Para todos nós descerá a noite e chegará a
diligência.
Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro.

Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder,
relido um dia por outros, entretê-los
também na passagem, será bem. Se não o lerem,
nem se entretiverem, será bem também".

Fernando Pessoa

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Encontro ou amor - Fausto Fawcett

Encontro ou Amor
"Vivo clandestina e não é mole essa vida clandestina
Mas posso me orgulhar da qualidade da minha pele
E da temperatura do meu beijo,
eu quero fazer com você um pacto de delicadeza.
Eu quero me sentir Alteza,
para te ceder todos os músculos
Será arbusto dos seus beijos
Vamos sair esburacando a madrugada
trocando beijos e tragadas
A lua é uma lantejoula da Nasa
que brilha leitosa no meu vestido estrelado.

Fausto Fawcett

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Pablo Neruda

Quanto vive o homem, afinal?
Vive mil anos ou um só?
Vive uma semana ou vários séculos?
Por quanto tempo morre o homem?
O que significa para sempre?
Pablo Neruda

Manoel de Barros 4

Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas
mais que a dos mísseis.
Tenho em mim
esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância
de ser feliz por isso.
Meu quintal
É maior do que o mundo.
Manoel de Barros

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Manoel de Barros 3

Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre pedras - liberdade caça jeito.
Manoel de Barros

“A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
...
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
...
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas”.
Manoel de Barros

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Colhe o dia, porque és ele

Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.
Ricardo Reis, in “Odes”

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Bernardo Pessoa

Lembro-me de repente de quando era criança e via, como hoje não posso ver, a manhã raiar sobre a cidade. Ela então não raiava para mim, mas para a vida, porque então eu (não sendo consciente) era a vida. Via a manhã, e tinha alegria; hoje vejo a manhã, e tenho alegria, e fico triste. A criança ficou mas emudeceu. Vejo como via, mas por trás dos olhos vejo-me vendo; e só com isto se me obscurece o sol e o verde das árvores é velho e as flores murcham antes de aparecidas.

Bernardo Soares - O Livro do Desassossego

Mestre

Mestre, meu mestre querido!  
    Coração do meu corpo intelectual e inteiro!  
    Vida da origem da minha inspiração!  
    Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida? 
    Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada, 
    Alma abstrata e visual até aos ossos, 
    Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo, 
    Refúgio das saudades de todos os deuses antigos, 
    Espírito humano da terra materna, 
    Flor acima do dilúvio da inteligência subjetiva... 
    Mestre, meu mestre! 
    Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos, 
    Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser, 
    Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos, 
    Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim! 
    Meu mestre e meu guia! 
    A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou, 
    Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente, 
    Natural como um dia mostrando tudo, 
    Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade. 
    Meu coração não aprendeu nada. 
    Meu coração não é nada, 
    Meu coração está perdido. 
    Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu. 
    Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi! 
    Depois tudo é cansaço neste mundo subjetivado, 
    Tudo é esforço neste mundo onde se querem coisas, 
    Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas, 
    Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente. 
    Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento 
    Pela indiferença de toda a vila. 
    Depois, tenho sido como as ervas arrancadas, 
    Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido. 
    Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça, 
    E eu, por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém. 
    Depois, mas por que é que ensinaste a clareza da vista, 
    Se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara? 
    Por que é que me chamaste para o alto dos montes 
    Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar? 
    Por que é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer dela 
    Como quem está carregado de ouro num deserto, 
    Ou canta com voz divina entre ruínas? 
    Por que é que me acordaste para a sensação e a nova alma, 
    Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha? 
    Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele 
    Poeta decadente, estupidamente pretensioso, 
    Que poderia ao menos vir a agradar, 
    E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver. 
    Para que me tornaste eu?  Deixasses-me ser humano! 
    Feliz o homem marçano 
    Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada, 
    Que tem a sua vida usual, 
    Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio, 
    Que dorme sono, 
    Que come comida, 
    Que bebe bebida, e por isso tem alegria. 
    A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação. 
    Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo. 
    Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.

Alvaro de Campos

Nesta vida em que sou meu sono

Nesta vida, em que sou meu sono,
Não sou meu dono,
Quem sou é quem me ignoro e vive
Através desta névoa que sou eu
Todas as vidas que eu outrora tive,
Numa só vida.
Mar sou; baixo marulho ao alto rujo,
Mas minha cor vem do meu alto céu,
E só me encontro quando de mim fujo.

Quem quando eu era infante me guiava
Senão a vera alma que em mim estava?
Atada pelos braços corporais,
Não podia ser mais.
Mas, certo, um gesto, olhar ou esquecimento
Também, aos olhos de quem bem olhou,
A Presença Real sob o disfarce
Da minha alma presente sem intento.
© FERNANDO PESSOA 
11-12-1932 
In Poesias Inéditas (1930-1935), 1955 
Ed. Ática, Lisboa (imp. 1990) 

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Manoel de Barros 2

Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa
Com janelas de aurora e árvores no quintal -
Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores
E ao crepúsculo fiquem cinzentas 
como a roupa dos pescadores.

O que desejo é apenas uma casa. 
Em verdade, Não é necessário que seja azul, 
nem que tenha cortinas de rendas.
Em verdade, nem é necessário que tenha cortinas.
Quero apenas uma casa em uma rua sem nome.

Sem nome, porém honrada, Senhor. 
Só não dispenso a árvore,
Porque é a mais bela coisa que 
nos destes e a menos amarga.
Quero de minha janela sentir 
os ventos pelos caminhos, e ver o sol 

Dourando os cabelos negros 
e os olhos de minha amada.

Também a minha amada não dispenso, meu Senhor.
Em verdade ele é a parte mais importante deste poema.
Em verdade vos digo, e bastante constrangido, 
Que sem ela a casa também eu não queria, 
e voltava pra pensão.

Ao menos, na pensão, eu tenho meus amigos 
E a dona é sempre uma senhora 
do interior que tem uma filha alegre.
Eu adoro menina alegre, 
e daí podeis muito bem deduzir 

Que para elas eu corro nas minhas horas de aflição.

Nas minhas solidões de amor e 
nas minhas solidões do pecado
Sempre fujo para elas, quando não fujo delas, de noite,
E vou procurar prostitutas. Oh, Senhor vós bem sabeis
Como amarga a vida de um 
homem o carinho das prostitutas!

Vós sabeis como tudo amarga 
naquelas vestes amassadas
Por tantas mãos truculentas ou tímidas ou cabeludas
Vós bem sabeis tudo isso, e portanto permiti
Que eu continue sonhando com a minha casinha azul.

Permiti que eu sonhe com 
a minha amada também, porque: 
- De que me vale ter casa sem ter 
mulher amada dentro? 
Permiti que eu sonhe com uma que ame 
andar sobre os montes descalça
E quando me vier beijar faça-o 
como se vê nos cinemas...

O ideal seria uma que amasse fazer comparações
de nuvens com vestidos, e peixes com avião; 
Que gostasse de passarinho pequeno, 
gostasse de escorregar no corrimão da escada 
E na sombra das tardes viesse pousar 
Como a brisa nas varandas abertas...

O ideal seria uma menina boba: 
que gostasse de ver folha cair de tarde...
Que só pensasse coisas leves que nem existem na terra,
E ficasse assustada quando ao cair da noite
Um homem lhe dissesse palavras misteriosas ...
O ideal seria uma criança sem dono, 
que aparecesse como nuvem,
Que não tivesse destino nem nome - 
senão que um sorriso triste 
E que nesse sorriso estivessem encerrados
Toda a timidez e todo o espanto 
das crianças que não têm rumo...
Manoel de Barros

terça-feira, 3 de maio de 2016

Mar de Sophia

Mar, metade da minha alma é feita de maresia 
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia, 
Que há no vasto clamor da maré cheia, 
Que nunca nenhum bem me satisfez. 
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia 
Mais fortes se levantam outra vez, 
Que após cada queda caminho para a vida, 
Por uma nova ilusão entontecida. 

E se vou dizendo aos astros o meu mal 
É porque também tu revoltado e teatral 
Fazes soar a tua dor pelas alturas. 
E se antes de tudo odeio e fujo 
O que é impuro, profano e sujo, 
É só porque as tuas ondas são puras. 

Sophia de Mello Andresen

Manoel de Barros - poesias

"Poderoso pra mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas) Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. Fiquei emocionado e chorei"
....

"O Tempo só anda de ida.
A gente nasce, cresce, envelhece e morre.
Pra não morrer
É só amarrar o Tempo no Poste.
Eis a ciência da poesia:
Amarrar o Tempo no Poste!"

E respondendo mais: "dia que a gente estiver com tédio de viver é só desamarrar o Tempo do Poste."
....

"As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis: Elas desejam ser olhadas de azul"
....

"Poeta: sujeito com mania de comparecer aos próprios desencontros."

....

...que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

O sistema 3

Quem não banca o vivo, acaba morto. Você é obrigado a ser fodedor ou fodido, mentidor ou mentido. Tempos de o que me importa, de o que se há de fazer, do é melhor não se meter, do salve-se quem puder. Tempo dos trapaceiros: a produção não rende, a criação não serve, o trabalho não vale. No rio da Prata, chamamos o coração de bobo. E não porque se apaixona: o chamamos de bobo porque trabalha muito.

O sistema 2

"Tempo dos camaleões: ninguém ensinou tanto à humanidade quanto esses humildes animaizinhos. Considera-se culto quem oculta, rende-se culto à cultura do disfarce. Fala-se a dupla linguagem do artista da simulação. Dupla linguagem, dupla contabilidade, dupla moral: uma moral para dizer, uma moral para fazer. A moral para fazer se chama realismo.

A lei da realidade é a lei do poder. Para que a realidade não seja irreal, dizem os que mandam, a moral deve ser imoral."

sábado, 16 de abril de 2016

XXVI

Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas.

Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?

Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as coisas,
Perante as coisas que simplesmente existem.

Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!
11-3-1914
“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro

XXVII

Só a Natureza é divina, e ela não é divina...

Se às vezes falo dela como de um ente
É que para falar dela preciso usar da linguagem dos homens
Que dá personalidade às coisas,
E impõe nome às coisas.

Mas as coisas não têm nome nem personalidade:
Existem, e o céu é grande e a terra larga,
E o nosso coração do tamanho de um punho fechado...

Bendito seja eu por tudo quanto não sei.
Gozo tudo isso como quem sabe que há o sol.

Alberto Caeiro

domingo, 3 de abril de 2016

A televisão

A televisão/2

A televisão mostra o que acontece?
Em nossos países, a televisão mostra o que ela quer que aconteça; e nada acontece se a televisão não mostrar.
A televisão, essa última luz que te salva da solidão e da noite, é a realidade. Porque a vida é um espetáculo: para os que se comportam bem, o sistema promete uma boa poltrona.
....

A televisão/3

Nós comemos emoções importadas como se fossem salsichas em lata, enquanto os jovens filhos da telev.isão, treinados para contemplar a vida em vez de fazê-la, sacodem os ombros.

Os livros não precisam ser proibidos pela polícia: os preços já os proíbem.

Eduardo Galeano - o livro dos abraços

O sistema/1

Os funcionários não funcionam.
Os políticos falam mas não dizem.
Os votantes votam mas não escolhem.
Os meios de informação desinformam.
Os centros de ensino ensinam a ignorar.
Os juízes condenam as vítimas.
Os militares estão em guerra contra seus compatriotas.
Os policiais não combatem os crimes, porque estão ocupados cometendo-os.
As bancarrotas são socializadas, os lucros são privatizados.
O dinheiro é mais livre que as pessoas.
As pessoas estão a serviço das coisas.
Eduardo Galeano - o livro dos abraços
p. 129

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Rumo ao sumo

"Disfarça, tem gente olhando.
Uns, olham pro alto,  cometas, luas, galáxias.
Outros, olham de banda,  lunetas, luares, sintaxes.
De frente ou de lado,  sempre tem gente olhando,
olhando ou sendo olhado.  Outros olham para baixo,
procurando algum vestígio  do tempo que a gente acha,
em busca do espaço perdido.  Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.  Apenas um peso imenso,
a alma, esse conto de fada".
Paulo Leminski

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Responde Deleuze

responde Deleuze, na esteira de Nietzsche: uma “possibilidade de vida se avalia nela mesma, pelos movimentos que ela traça e pelas intensidades que ela cria”, “não há nunca outro critério senão o teor da existência, a intensificação da vida”.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Retrocedendo, mas não ficando para trás

Quem hoje ainda começa o seu desenvolvimento com sentimentos religiosos e depois continua, talvez por muito tempo, a viver na metafísica e na arte, recuou certamente um bom pedaço e inicia a disputa com outros homens modernos em condições desfavoráveis: aparentemente ele perde tempo e terreno. Mas, por haver se detido em regiões onde o calor e a energia são desencadeados, e onde continuamente o poder flui de fonte inesgotável, como uma torrente vulcânica, ao deixar no momento certo essas regiões ele avança mais rapidamente, seu pé adquire asas, seu peito aprende a respirar de maneira mais calma, mais profunda e constante. - Ele apenas recuou, para ter terreno bastante para seu salto: então pode até haver algo de terrível, de ameaçador, nesse recuo.
Friedrich Nietzsche

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu ?”
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Poesia beat

"Pois juntos somos capazes de ver
a beleza das almas
ocultas como os diamantes
dentro do relógio do mundo,

somos capazes, assim como mágicos
chineses, de confundir os imortais
com nossa intelectualidade
escondida na neblina

trombando pelas ruas
no automóvel do nosso destino
dividiremos um cigarro de arcanjo
e adivinharemos o futuro um do outro:"
Allen Ginsberg

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Saudade

Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.
(Pablo Neruda)

sexta-feira, 3 de julho de 2015

pecado contra a solidão

Cada um de nós nasceu com uma dose de pureza predestinada a ser corrompida pelo comércio com os homens, por esse pecado contra a solidão. Assim é, pois cada um de nós faz o impossível para não se ver entregue a si mesmo. Tal coisa não é fatalidade, e sim tentação pela decadência. Incapazes de guardar nossas mãos limpas e nossos corações intactos, manchamo-nos com o contato de suores estranhos, arrastamo-nos sedentos de asco e fervorosos de pestilência na lama unânime. E quando sonhamos com mares convertidos em água benta é tarde demais para mergulharmos neles. Nossa corrupção demasiada profunda nos impede de afogarmo-nos ali. O mundo infectou nossa solidão. As impressões dos outros sobre nós mesmos se fazem indeléveis. (Emil Cioran)

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Os loucoss

“Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que vêem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os vêem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo, são as que o mudam.”
Jack Kerouac 

terça-feira, 24 de junho de 2014

O ópio dos povos?

Em que o Futebol se parece com Deus? Na devoção que desperta em muitos crentes e na desconfiança que desperta em muitos intelectuais. Em 1880, em Londres, Rudyard Kipling desdenhou o futebol e as “almas pequenas que podem ser saciadas pelos enlameados idiotas que jogam”. Um século depois, em Buenos Aires, Jorge Luis Borges foi mas sútil: proferiu uma conferência sobre o tema da imortalidade no mesmo dia, e na mesma hora, em que a seleção argentina estava disputando sua primeira partida na Copa de78. O desprezo de muitos intelectuais conservadores se baseia na certeza de que a idolatria da bola é a superstição que o povo merece. Possuída pelo futebol, a plebe pensa com os pés, como corresponde, e nesse gozo subalterno se realiza. O instinto animal se impõe à razão humana, a ignorância esmaga a Cultura, e assim a ralé tem o que quer. Por outro lado, muitos intelectuais de esquerda desqualificam o futebol porque castra as massas e desvia sua energia revolucionária. Pão e circo, circo sem pão: hipnotizados pela bola, que exerce uma perversa fascinação, os operários atrofiam sua consciência e se deixam levar como um rebanho por seus inimigos de classe. Quando o futebol deixou de ser coisa de ingleses e de ricos, no rio da Prata nasceram os primeiros clubes populares, organizados nas oficinas das estradas de ferro e nos estaleiros dos portos. Naquela época, alguns dirigentes anarquistas e socialistas denunciaram esta maquinação da burguesia destinada a evitar as greves e mascarar as contradições sociais. A difusão do futebol no mundo era o resultado de uma manobra imperialista para manter os povos reduzidos à idade infantil – para sempre. No entanto, o time Argentinos Juniors nasceu chamando-se Clube Mártires de Chicago, em homenagem aos operários anarquistas enforcados num primeiro de maio, e foi um primeiro de maio o dia escolhido para fundar o clube Chacarita, batizado numa biblioteca anarquista de Buenos Aires. Naqueles primeiros anos do século, não faltaram intelectuais de esquerda que celebraram o futebol, em vez de repudiá-lo como anestesia da consciência. Entre eles, o marxista italiano Antonio Gramsci, que elogiou “este reino da lealdade humana exercida ao ar livre”. Futebol ao sol e a sombra - Eduardo Galeano

sexta-feira, 21 de março de 2014

F.Pessoa

"Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida." Fernando Pessoa

Instante

Uma semente engravidava a tarde. Era o dia nascendo, em vez da noite Perdia amor seu hálito covarde, e a vida, corcel rubro, dava um coice, mas tão delicioso, que a ferida no peito transtornado, aceso em festa, acordava, gravura enlouquecida, sobre o tempo sem caule, uma promessa. A manhã sempre sempre, e dociastuto seus caçadores a correr, e as presas num feliz entregar-se, entre soluços E que mais, vida eterna, me planejas? 0 que se desatou num só momento não cabe no infinito, e é fuga e vento. Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

o mito

"Contudo, toda a ciência dessa terra não me dará nada que me possa garantir que este mundo é para mim. Vocês o descrevem e me ensinam a classificá-lo. Vocês enumeram suas leis e, na minha sede de saber, concordo que elas sejam verdadeiras. Vocês desmontam seu mecanismo e minha esperança aumenta. Por último, vocês me ensinam que esse universo prestigioso e colorido se reduz ao átomo e que o próprio átomo se reduz ao elétron. Tudo isso é bom e espero que vocês continuem. Mas vocês me falam de um invisível sistema planetário em que os elétrons gravitam ao redor de um núcleo. Vocês me explicam esse mundo com uma imagem. Reconheço, então, que vocês enveredam pela poesia: nunca chegarei ao conhecimento. Tenho tempo para me indignar com isso? Vocês já mudaram de teoria. Assim, essa ciência que devia me ensinar tudo se limita à hipótese, essa lucidez se perde na metáfora, essa certeza se resolve como obra de arte" O Mito de Sísifo - Albert Camus

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Guardador de rebanhos 2

"O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do mundo... Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender... O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe por que ama, nem o que é amar... Amar é a eterna inocência, E a única inocência é não pensar..." Alberto Caeiro, Guardador de Rebanhos 08.03.1914

domingo, 28 de julho de 2013

O eterno retorno

"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?" A gaia ciência - Nietzsche

segunda-feira, 22 de julho de 2013

L’art est la Solution au Chaos

"Nós temos a arte a fim de não morrer de verdade". F. W. Nietzsche 'A diferença entre a Arte e a Vida é que a Arte é mais suportável.' Charles Bukowski "Arte não é pureza, é purificação, arte não é liberdade, é libertação". Clarice Lispector

Ou Isto ou Aquilo

"Ou se tem chuva e não se tem sol ou se tem sol e não se tem chuva! Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva! Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares. É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo em dois lugares! Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou compro o doce e gasto o dinheiro. Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo... e vivo escolhendo o dia inteiro! Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico tranqüilo. Mas não consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou aquilo". Cecília Meireles

OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

"Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil. E os olhos não choram. E as mãos tecem apenas o rude trabalho. E o coração está seco. Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. Ficaste sozinho, a luz apagou-se, mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. És todo certeza, já não sabes sofrer. E nada esperas de teus amigos. Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? Teu ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação". Drummond

O Guardador de Rebanhos

“Sou um guardador de rebanhos, O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca. Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto, E me deito ao comprido na erva, E fecho os olhos quentes, Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Sei a verdade e sou feliz.” “Olá, guardador de rebanhos, Aí à beira da estrada, Que te diz o vento que passa? Que é vento, e que passa, E que já passou antes, E que passará depois. E a ti o que te diz? Muita cousa mais do que isso. Fala-me de muitas outras cousas. De memórias e de saudades E de cousas que nunca foram. Nunca ouviste passar o vento. O vento só fala do vento. O que lhe ouviste foi mentira. E a mentira está em ti.” (Cantos IX e X, de “O Guardador de Rebanhos” Alberto Caeiro, 1914)

domingo, 7 de julho de 2013

?

"A razão pela qual tanta poesia ruim é escrita é que ela é escrita através de conceitos poéticos. E a razão pela qual o público não entende a poesia é que não há nada para se entender, e a razão pela qual a maioria dos poetas escrevem é que eles pensam que entendem. Não há nada para ser compreendido ou "recuperado". É, apenas, simplesmente ser escrito. Por alguém. Em algum tempo. E não com muita frequência." Bukowski

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Poema em Linha Reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida… Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. (Trecho de “Fernando Pessoa)